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É o fim da fosfoetanolamina, a pílula do câncer?


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A fosfoetanolamina trouxe resultados insatisfatórios contra o câncer (Foto: Deborah Maxx/SAÚDE é Vital)

A pesquisa que vinha testando a fosfoetanolamina sintética — a chamada “pílula do câncer”, sintetizada pela primeira vez no Instituto de Química de São Carlos, na Universidade de São Paulo — suspendeu o recrutamento de novos voluntários por não ter demonstrado benefícios clínicos significativos até o momento. O produto havia causado furor ao ser tachado pelos seus criadores como a cura de todos os tumores malignos.

Conduzido no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), o estudo pretendia avaliar 210 pacientes com dez tipos diferentes de tumores: cabeça e pescoço, pulmão, mama, colorretal, colo de útero, próstata, melanoma, pâncreas, estômago e fígado. Seriam 21 voluntários por grupo.

Mas, dos 59 que já passaram por uma reavaliação após se submeterem por meses ao tratamento, apenas um obteve resposta significativa. “Isso é muito aquém do que desejávamos”, lamenta o oncologista Paulo Hoff, líder da investigação e diretor geral do Icesp.

Todos os outros viram a doença evoluir. “Diante disso, decidimos suspender o trabalho. Até porque não seria ético submeter mais gente a um tratamento que não vem surtindo efeito”, explica Hoff.

Os cientistas haviam traçado, como meta, uma taxa de resposta mínima de 20%. Ou seja, se um quinto dos pacientes de cada grupo mostrasse uma redução no tamanho do câncer (de 30%), os estudos com a fosfo seguiriam para uma próxima etapa, com ainda mais voluntários.

A questão é que isso não ocorreu. Entre os 21 participantes com câncer colorretal — o único grupo que atingiu a meta proposta de pacientes —, nenhum viu a fosfoetanolamina trazer resultados. “Com base nesses achados preliminares, não dá pra utilizá-la na terapia contra o câncer”, argumenta Hoff.

Atenção: os estudiosos afirmam que vão seguir acompanhando o sujeito que viu seu tumor — um de pele agressivo chamado melanoma — encolher após engolir os comprimidos azuis e brancos. Mas Hoff ressalta: “Um episódio isolado pode acontecer por vários motivos. Há, por exemplo, casos de regressão espontânea”. Com uma taxa de resposta tão baixa, é difícil saber se a fosfo apresenta qualquer efeito terapêutico.

Cerca de 20 voluntários seguem sendo acompanhados na pesquisa. Quando as avaliações deles forem concluídas, o experimento será encerrado — e teremos os dados finais.

Vale destacar que toda a pesquisa do Icesp foi acompanhada por auditores escolhidos por Gilberto Chierice, o químico que criou a fosfoetanolamina sintética e a distribuiu por anos a brasileiros do país inteiro. Esse pessoal até participou da escolha que definiu os laboratórios responsáveis por produzir a molécula e a encapsular.

Os próximos passos

David Uip, secretário de Estado da Saúde de São Paulo, disse que a primeira meta é notificar todas as autoridades sobre os resultados obtidos até agora — inclusive ao Supremo Tribunal Federal, que chegou a deliberar sobre a comercialização da fosfoetanalomina, mesmo sem comprovação científica. Hoje, várias pessoas ganham acesso a esse produto por meio de liminares.

Quando todos os dados forem coletados no trabalho, os cientistas vão debater possíveis rumos para a fosfo. Uma possibilidade é alterar a dosagem, apesar de ela ter sido similar à proposta por seus criadores e defensores. Caso isso ocorra, é praticamente certo que apenas indivíduos com melanoma participarão do novo estudo. Afinal, foi o único tumor que, em um caso, obteve resposta positiva.

Também é possível que a pesquisa, até agora financiada com dinheiro público, pare por aí mesmo. Inicialmente, seriam gastos 1,5 milhão de reais com o estudo. Porém, como ele foi interrompido antes do fim, esse custo certamente será menor.

Mais polêmica

Após o fim da coletiva de imprensa, a médica Regina Monteiro, uma das auditoras da pesquisa escolhidas por Chierice, levantou-se da plateia e pediu a palavra. De acordo com ela, o estudo do Icesp foi bem conduzido, contudo é insuficiente para enterrar a fosfo.

“Há trabalhos em laboratório que mostram bons resultados e a experiência clínica do dia a dia”, afirma. Por “trabalhos em laboratório”, leia-se: experimentos com células isoladas ou em animais. O problema é que a maioria das moléculas que mostram efetividade nessas etapas iniciais de pesquisa acabam desapontando ao serem testadas em seres humanos. Daí porque é tão importante fazer estudos em gente como a gente.

Regina afirmou ainda que o estado de certos pacientes recrutados para o levantamento do Icesp era avançadíssimo. E que, nesse estágio, dificilmente responderiam a qualquer terapia.

O fato é que, em fase de testes, não é ético submeter uma pessoa qualquer a um tratamento experimental se existem outras terapias comprovadamente eficazes que ainda não foram usadas. Isso quer dizer que os enfermos analisados realmente tendiam a possuir um câncer metastático (espalhado para outros órgãos), porque as armas convencionais não funcionaram.

“Mas todos estavam em boas condições físicas, apesar de terem a doença”, afirmou Hoff, em conversa posterior com a SAÚDE. Ele discordou da interpretação de Regina e argumentou inclusive que descartou a participação de mais de dez voluntários por esses estarem debilitados demais.

De cura para todos os cânceres, a fosfo está se tornando uma tremenda dor de cabeça para a saúde brasileira.

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